Powered By Blogger

quarta-feira, 22 de março de 2017

Morrer - verbo intransitivo

Um passarinho caído, velado por outro
Que inconscientemente acredita que se
Deixá-lo, a sua essência se escorrerá
Na cicatriz do asfalto sujo e quente

A vigília não tem mais espectadores

Um assobio contínuo, continua a chamar
Pelo pássaro, sem resposta

O canarinho vê a noite espreitar o velório solitário,
Com a sua túnica preta aproxima-se com o orvalho:
Ela - complacente com a dor do canário
Ordena que aquele vento úmido colabore com o funeral

Ele- Obediente - cobre o corpo imóvel, faz
Um cortinado de gelo translúcido e marrom
Redoma delicadamente aquele bicho
E ajuda o companheiro na campana do seu amigo

A incerteza sobre a vida é o que levamos com a morte
Sentimento comum entre humanos e canários
Ainda que criemos teorias de continuidade por mérito
Linha de barbante que se estica em uma progressão infinita
Linha tecida pelo fio celeste do imaginário

O que nos resta de todo esse desespero
É o desprezo arrogante da saudade






Classe média em março de 2017

–  E o jogo do Flamengo?

No jornal – notícias sobre a aposentadoria 
–  Vamos morrer sem se aposentar dignamente!
– E esses grevistas atrapalhando tudo?
No jornal  – aumento do preço da energia

–  Você viu o jogo do Flamengo?

Na padaria – falatório da carne estragada
–  Vamos morrer sem comer dignamente!
–  E esse bando de professor de greve atrapalhando tudo?
Na padaria – café e presunto na chapa

–  Rapaz, e o Mengão?

Na internet – mulheres, felicidades pelo seu dia!
–  Andava igual uma puta, sem dignidade alguma!
– E esses vagabundos grevistas atrapalhando tudo?
Em casa – beija a testa da mãe e sorria

–  Dá-lhe Mengão!

 No jornal – notícias sobre o racionamento de água.
 Na padaria – falatório discriminando a travesti assassinada
 Na internet – Bolsonaro 2018, é melhor JAIR se acostumando
- Não importa! Domingo tem o jogo do Mengo, mas feliz dia das mulheres!


segunda-feira, 20 de março de 2017

A pomba, a mãe

Não tinha prole, o marido faleceu
Recebeu bens de herança e uma pomba
Aleijada para criar como sua filha

Ninguém entendia o zelo, aquele amor
Foi então que um dia:
- Esse foi o maior elo que me deixou

Eram mimos, entusiasmos, alegrias
A voz sempre emocionada
- É a minha pombinha, é a minha mocinha!

Ninguém entendia a dor, aquele sofrimento
E foi nesse dia:
- Deu cria a um ovo quebrado, morreu

Era de todo pesar, tristeza e incompreensão
A voz que sempre sorria:
- Enterrei ontem o último suspirar, a minha paixão
Enquanto as lágrimas escorriam


As cascas de sentimentos craquelados
Foi assim que a pomba mostrou o amor
Empatia pelo sentimento da mãe, o elo
De um dia perder o que se cria