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sábado, 9 de dezembro de 2017

Polvo de lã

Sou um caracol alinhavado em mim mesma e
Dentro de mim há um barbante que helicoida
As minhas facetas, sombras etéreas alinhavadas
Por um barbante marítimo, que arraia os meus limites:
Ponto de partida, mas um oceano escuro de linha de chegada


Fotografia: Heidi Williams

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Aquário

Olhos linheiros em uma reta comprida
Vislumbram a cena, eles não tem uma personalidade
São etéreos, possuem sonhos impalpáveis
Vislumbram ações impraticáveis dentro do palco


Assim me limito a traduzir as linhas dos seus olhos
Em caracteres obscenos indizíveis com kanjis
Que não revelo ao destinatário
Por estar oculta na plateia virtual


Olhos intraduzíveis para o português
Ouso apenas imaginar o que se desenha
Nas profundezas escuras das suas órbitas
Solitários, para mim, uma astronauta no Mar do Leste


A sombra celeste que navega pelas longas pálpebras
Combinam com a ideia que fiz de você
Ao sonhar com o comprimir dos seus cílios
Na alegria de um momento cristalino


O longo trajeto até os seus olhos é árduo
Dias e noites que se completam
Passando por outros continentes,
Idiomas e rostos incompreensíveis 


Para encontrá-los e mergulhar nas suas íris
Explorando a geografia distante dos traços
Honestos e simples das suas córneas,
Rumo ao indizível translúcido desses olhos orientais 


quarta-feira, 22 de março de 2017

Morrer - verbo intransitivo

Um passarinho caído, velado por outro
Que inconscientemente acredita que se
Deixá-lo, a sua essência se escorrerá
Na cicatriz do asfalto sujo e quente

A vigília não tem mais espectadores

Um assobio contínuo, continua a chamar
Pelo pássaro, sem resposta

O canarinho vê a noite espreitar o velório solitário,
Com a sua túnica preta aproxima-se com o orvalho:
Ela - complacente com a dor do canário
Ordena que aquele vento úmido colabore com o funeral

Ele- Obediente - cobre o corpo imóvel, faz
Um cortinado de gelo translúcido e marrom
Redoma delicadamente aquele bicho
E ajuda o companheiro na campana do seu amigo

A incerteza sobre a vida é o que levamos com a morte
Sentimento comum entre humanos e canários
Ainda que criemos teorias de continuidade por mérito
Linha de barbante que se estica em uma progressão infinita
Linha tecida pelo fio celeste do imaginário

O que nos resta de todo esse desespero
É o desprezo arrogante da saudade






Classe média em março de 2017

–  E o jogo do Flamengo?

No jornal – notícias sobre a aposentadoria 
–  Vamos morrer sem se aposentar dignamente!
– E esses grevistas atrapalhando tudo?
No jornal  – aumento do preço da energia

–  Você viu o jogo do Flamengo?

Na padaria – falatório da carne estragada
–  Vamos morrer sem comer dignamente!
–  E esse bando de professor de greve atrapalhando tudo?
Na padaria – café e presunto na chapa

–  Rapaz, e o Mengão?

Na internet – mulheres, felicidades pelo seu dia!
–  Andava igual uma puta, sem dignidade alguma!
– E esses vagabundos grevistas atrapalhando tudo?
Em casa – beija a testa da mãe e sorria

–  Dá-lhe Mengão!

 No jornal – notícias sobre o racionamento de água.
 Na padaria – falatório discriminando a travesti assassinada
 Na internet – Bolsonaro 2018, é melhor JAIR se acostumando
- Não importa! Domingo tem o jogo do Mengo, mas feliz dia das mulheres!


segunda-feira, 20 de março de 2017

A pomba, a mãe

Não tinha prole, o marido faleceu
Recebeu bens de herança e uma pomba
Aleijada para criar como sua filha

Ninguém entendia o zelo, aquele amor
Foi então que um dia:
- Esse foi o maior elo que me deixou

Eram mimos, entusiasmos, alegrias
A voz sempre emocionada
- É a minha pombinha, é a minha mocinha!

Ninguém entendia a dor, aquele sofrimento
E foi nesse dia:
- Deu cria a um ovo quebrado, morreu

Era de todo pesar, tristeza e incompreensão
A voz que sempre sorria:
- Enterrei ontem o último suspirar, a minha paixão
Enquanto as lágrimas escorriam


As cascas de sentimentos craquelados
Foi assim que a pomba mostrou o amor
Empatia pelo sentimento da mãe, o elo
De um dia perder o que se cria