Powered By Blogger

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Horizonte inebriante

O horizonte que eu desejo ver
É cheio de calor, transbordando de paixão
Num mar revolto de fios vermelhos e o quase grisalho dos seus cabelos

O horizonte que eu desejo ter
É um horizonte onde mergulho em magma puro
Nado borboleta de fluídos:
Encontro do seu V labial
EnluVamento no meu arco do cvpido
Aeróbica suaVe, rito sem prece, instrumentada por duas hidras inefáVeis
Nadando no saliVante mar de luxvria

Por Bruna Argolo


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A despedida do café da manhã

Enquanto preparava o café da manhã em casa, meu marido saia do banho cantarolando algo musicalmente indeterminado para mim, até que em certo momento aquele cheiro invadiu as minhas narinas.

Foi no exato momento em que punha a garrafa de café sobre a mesa que o almíscar e outras essências tomaram aquele momento da minha manhã. Uma experiência sensorial incomum, já que não me surpreendia facilmente com cheiros, só sei que um calor invadiu o meu peito e a minha garganta adotou a textura de nó enlaçado. Fiquei parada em frente à mesa, tentando processar todas aquelas sensações. Era tudo muito estranho.

- Vida, você já fez o café? Preciso ir para o ensaio da banda, tô atrasado.

A frase me sobressaltou e recobrei a consciência do que estava fazendo, havia esquecido de pegar as canecas de café no armário, mas adiantei-me para realizar esse afazer.

Clincg Cloncg _ Era o tilintar do encontro das louças agarrados pelas alças.
Clâncg _Era o tilintar do encontro das louças sobre a mesa.

“Que esquisito, esses sons tão comuns hoje me parecem tão diferentes...”
E as reticências ecoavam estridentemente na minha cabeça, ainda mais quando fui até a porta da geladeira aberta para pegar o leite e ouvi uma música antiga vinda do apartamento vizinho:
“Todo dia é o mesmo dia, toda hora é qualquer hora...”

A música da cantora Diana, o tilintar das canecas, o cheiro do Axe, tudo isso era coordenado pelo eco das reticências. Fui surpreendida pelo abraço do meu companheiro, o afago das suas mãos sob as minhas costas, o cabelo molhado respingando sob meu rosto que se confundiam com as minhas lágrimas conscientes e então entendi: Aquelas reticências tinham forma de nostalgia. Sorri com tudo isso e após um beijo em seus lábios, ressignifiquei toda aquela experiência sensorial.

- Amor, hoje eu me lembrei de quando eu era pequena e meu pai se despedia de mim logo pela manhã após o café para sair para trabalhar na Brahma. Ele era caminhoneiro e passava quase uma semana fora de casa.

Eu gosto de mim


 Eu gosto de mim, sabia?
Me aceitar é uma revolução
Em um mundo que te cobra sempre a perfeição
Sigo de cabeça erguida noite e dia, dia e noite
Transitando em um mundo que me cobra a perfeição
De falatórios inquisidores, de dedos ristes julgadores
Serei a minha melhor advogada 

Eu gosto de mim, sabia?
Me aceitar foi uma revolução
Por ter escolhido ser assim e
Por  gostar de andar na contramão

A amálgama das órbitas

E antes do início eles estavam lá, evitavam encontrar os meus, mas a minha sede de aprofundar no oceano breu e profundo das suas retinas era maior do que a sua reluta em entregar-se. Eu queria mais, mergulharia de ponta na primeira oportunidade, meu coração palpitava ao imaginar o encontro do meu par ansioso aos de suas órbitas reclusas. 

E foi assim. Não, não foi assim. Não houve mergulho de um para dentro de outro. Foi fusão.

O seu nome tem no meu, o meu nome tem no seu


O seu nome tem no meu
O meu nome tem no seu
3 letras em brincadeira
Combinam com riso
Aquilo o que o destino escolheu

O meu nome tem no seu
O seu nome tem no meu
3 letras girando em peão
Combinam a corte
O corte dourado do enlace do amor
Rainha e valete
União que floresceu

O meu nome tem no seu
E o seu nome tem no meu
3 letras em anagrama
Dançando em roda
Combinam intensamente
O amor que Deus nos deu

O seu nome tem no nosso
O nosso nome tem no meu e no seu
Ciranda lenta de roda
Encirandando nos cachos
Cheirando a rosa, a nuvem negra de rodas
Bru - Rub - Rub- Bru
De mãos dadas e
cantarolando versinhos desse chamego que é só meu

A princesa que eu sou...
Esbraveja, relampeja sensações em alta voltagem
Desagua, correndo ressentimentos em tromba d'água

A princesa que eu sou...
É sentimento e intelecto
É Oyá, é Oxum
Força da natureza, perspicácia, amor: é quantum

A princesa que eu sou?
A princesa que eu fui
Deixei no espelho aguado, nunca mais vi,
Dispersou-se na chuva de plasma
Recolheu-se no que eu volvi

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Sobre viver e etcétera

     Uma grossa camada de vidro temperado separava a plateia do desespero. Notava-se a respiração entrecortada entre o medo e o instinto. Era todo uma pelagem cinza amarronzada com uma cicatriz que adornava o seu dorso, tatuagem de bravura por conseguir escapar com vida de sei lá o que, mas naquela tarde cinza de dezembro, com muita chuva, não fosse mais possível continuar. 

    O olhar atento, mas indiferente ao vidro escuro também mantivera-se displicente à mim, mesmo entre bicudas provocadas propositalmente pelo Adidas rosa bebê almofadada em direção à barreira translúcida. Ele não olhara para mim.

    O pedaço do seu longo rabo - agora um toco - estava ao lado do meu tênis. Pavor e nojo contornavam a minha expressão facial. Contudo, senti ali, naquele metro quadrado, uma imensa tristeza, compadecia-me, queria poder dizer-lhe: Sai logo daí e fuja! Saia daí antes que te machuquem ainda mais! Saia daí e venha pra cá antes que te matem! 

    Tratava-se apenas de um rato, mas naqueles minutos pensei: O que difere seres humanos e seres ratos, já que todos lutamos pela sobrevivência, cada qual ao seu modo? E se em uma outra realidade domesticássemos esses ratos como se fossem gatos, cachorros, pássaros, hamsters...mas as reticências do meu pensamento calaram-me.

    Ao mesmo tempo, temia por ele me atacar caso eu abrisse a porta da guarita e, por isso, abri e fechei rapidamente a porta barulhenta de vidro temperado algumas vezes tomando as minhas notas mentais. Movia-se em sinal de desconforto e soube então que ele me sentia. Ali soube que os meus olhos enevoaram-se diante da minha própria incapacidade e covardia. 

    Não imaginava capaz de desafiar-me a tentar ajudá-lo, pois ali estava a possibilidade de querer atacar a mim, covardemente, seja por instinto, seja por sobrevivência ou apenas por enxergar ali um predador, por ver-me como ser humano que sou.

    No entanto, um senso surreal de compaixão e empatia tomou os meus olhos, a névoa desabou em cinza. Chovia naquela tarde, o céu estava cinza. O pelo cinza molhara-se com a cintilância das gotas. Meu choro queimava um rastro cinza homogêneo do antes delineado preto com o blush rosê. Sentíamos o mesmo gosto da dor e, então decidi acompanhar a sua solidão ali, dividida pela transparência do vidro temperado pela chuva.

E éramos nós três: O rato, a solidão e eu.