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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Sobre viver e etcétera

     Uma grossa camada de vidro temperado separava a plateia do desespero. Notava-se a respiração entrecortada entre o medo e o instinto. Era todo uma pelagem cinza amarronzada com uma cicatriz que adornava o seu dorso, tatuagem de bravura por conseguir escapar com vida de sei lá o que, mas naquela tarde cinza de dezembro, com muita chuva, não fosse mais possível continuar. 

    O olhar atento, mas indiferente ao vidro escuro também mantivera-se displicente à mim, mesmo entre bicudas provocadas propositalmente pelo Adidas rosa bebê almofadada em direção à barreira translúcida. Ele não olhara para mim.

    O pedaço do seu longo rabo - agora um toco - estava ao lado do meu tênis. Pavor e nojo contornavam a minha expressão facial. Contudo, senti ali, naquele metro quadrado, uma imensa tristeza, compadecia-me, queria poder dizer-lhe: Sai logo daí e fuja! Saia daí antes que te machuquem ainda mais! Saia daí e venha pra cá antes que te matem! 

    Tratava-se apenas de um rato, mas naqueles minutos pensei: O que difere seres humanos e seres ratos, já que todos lutamos pela sobrevivência, cada qual ao seu modo? E se em uma outra realidade domesticássemos esses ratos como se fossem gatos, cachorros, pássaros, hamsters...mas as reticências do meu pensamento calaram-me.

    Ao mesmo tempo, temia por ele me atacar caso eu abrisse a porta da guarita e, por isso, abri e fechei rapidamente a porta barulhenta de vidro temperado algumas vezes tomando as minhas notas mentais. Movia-se em sinal de desconforto e soube então que ele me sentia. Ali soube que os meus olhos enevoaram-se diante da minha própria incapacidade e covardia. 

    Não imaginava capaz de desafiar-me a tentar ajudá-lo, pois ali estava a possibilidade de querer atacar a mim, covardemente, seja por instinto, seja por sobrevivência ou apenas por enxergar ali um predador, por ver-me como ser humano que sou.

    No entanto, um senso surreal de compaixão e empatia tomou os meus olhos, a névoa desabou em cinza. Chovia naquela tarde, o céu estava cinza. O pelo cinza molhara-se com a cintilância das gotas. Meu choro queimava um rastro cinza homogêneo do antes delineado preto com o blush rosê. Sentíamos o mesmo gosto da dor e, então decidi acompanhar a sua solidão ali, dividida pela transparência do vidro temperado pela chuva.

E éramos nós três: O rato, a solidão e eu.

Por quem as panelas batem

 

Para quem as panelas batem?

Por que as panelas batem?

Para que as panelas batem?

Por quem as panelas batem?

Panelas vazias ecoam a hipocrisia

Panelas cheias propagam a fome

Cheias da rica idiossincrasia

Vazias pela pobreza insone

Para quem as panelas batem?

Por que as panelas batem?

Para que as panelas batem?

Por quem as panelas batem?

Batem, ecoam abundância de palavras

Batem, propagam insignificância de ideias

Cheias da rica moralidade infantil

Vazias do pobre! Mortalidade juvenil

Para quem as panelas batem?

Por que as panelas batem?

Para que as panelas batem?

Por quem as panelas batem?

Para quem as panelas batem?

Para aqueles que os sinos canarinho dobram

Badaladas da nova política de ferrugem

aMÉMzada da comunhão de broderagem

Som metralhado nos que os direita entortam

Por que as panelas batem?

Batem, porque estão cheias de ódio

Batem, pois não latem, mas

Aplaudem a ignorância no pódio

Para que as panelas batem?

Batem para abater

Batem para asfixiar

Batem para matar

Batem para tolher

Por quem as panelas batem?

Batem pela pátria

Batem pelo horror

Batem pela bala

Batem pelo louvor

Batem, batem, batem...

Batem, latem, batem...

Batem, orem, batem...

Batem, ordem!: -Matem!

 

Por Bruna Argôlo