A partida da minha mãe deixou-me um gosto de manga caída do pé. Essa manga, mesmo madura e doce, era amassada na parte escondida na terra. Não foram todos os anos de boa relação. Foram lindas as lembranças de quando criança, chamava-me de Pedra 90 da casa. A vida adulta trouxe severidade entre as ideias, conflitos que o tempo fez em farrapos amarelos temperados de doce. Mas manga é a minha fruta favorita, era uma das suas também. Eu brindo essa lembrança com o sabor remoso-alegre da manga e do gosto saudoso do pé de manga que havia em sua casa há alguns anos.
Olá, meu nome é Bruna, sou professora e amante de Arte, essa com letra maiúscula e bonita de se admirar com todas as suas linguagens.
domingo, 24 de outubro de 2021
De João Cabral de Melo Neto para a minha mãe
A covid comeu seu nome, seu CPF, seu semblante. A covid comeu sua certidão de nascimento, de casamento, sua ascendência, o seu corpo material. A covid veio e comeu todos os cartões com o seu nome.
Faminta, a covid devorou a sua vaidade, o seu rancor, a sua gana de viver. Faminta ainda, a covid devorou as suas unhas esmaltadas, o seu nariz afilado, a sua risada generosa que mais parecia uma gaitada.
A covid comeu sua paz e sua guerra. Seu dia que era noite. A covid comeu o seu acalento com o meu pai. A covid comeu o seu cuidado amoroso. A covid comeu a sua diabete, a sua osteoporose, a sua dor.
A covid devorou quase tudo. Comeu suas palavras, o seu sanguíneo temperamento e o seu medo da morte. A covid não conseguiu comer tudo o que queria: Não comeu a sua vida, não comeu o seu amor. Afinal, a covid, mesmo faminta, não conseguiu comer todo bem espe(a)lhado por você! A covid não te devorou
O amor dentro de nós devorou todo o furor da covid dentro do seu ser.
quarta-feira, 18 de agosto de 2021
Manifesto Ipê Cor de
Pequi
Tatuado na abóbada empoeirada
Destaque entre os matizes de azul
Reina o Ipê Cor de Pequi
Na celebração do anavalhado concreto armado
Resiliente ante à secura nauseante
E ferozmente delicado na paisagem laranja
Protesta o Ipê Cor de Pequi
Na musicidade anárquica dos grilos do centro oeste
Resplandecente pelas copas abarrocadas
E sabor acre para os empreendimentos pálidos
Atesta o Ipê Cor de Pequi
A arabesca modernidade da natureza candanga
Desnorteada entre tesouras cegas
Amado pela sua neoclássica lourice
Inspira o Ipê Cor de Pequi
A dançante anacronia do espaço-sideral
Carimbado em cada curva burocrática
E registrada na vida e morte primaveril
Encerra o Ipê Cor de Pequi
A stravinskiana passagem para a Chuva Cor de Grená