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sábado, 1 de fevereiro de 2020

Meu luto


O meu luto era um céu ensolarado visto por uma janela azul que quase nunca se abria
O meu luto era um gato preto engraçado brincando com outro gato branco manhoso
O meu luto tinha gosto de amêndoas do croissant rindo da fidalguia que não existia
O meu luto tinha também o gosto quadriculado do bolo xadrez e da fofura do Lollo
O meu luto tinha cheiro da maresia do meio da noite da orla de Olinda


O meu luto tinha jeito de menino com uns olhos de brilho amavelmente castanhos
O meu luto tinha os cabelos caoticamente encaracolados e uma barba sempre por fazer
O meu luto tinha a preguiça de acordar cedo para aproveitar o café da manhã
O meu luto era alegre e ria com um gosto que me fazia rir junto
O meu luto foi companheiro, foi piadista, mas também o melhor dos amantes


O meu luto me acalentava parcimoniamente, mas também lambia os seios com paixão
O meu luto me enveuzava com beijos, com cheiros, com cosquinhas, uma delícia
O meu luto me metia e quase não se segurava, me fazia as pernas desequilibrarem
O meu luto gostava de me ver nua e eu notava pelas sinuosidade, sempre ascendente
O meu luto nasceu sob o céu em escorpião, eu idem: feitos no signo da luta, cada um ao seu modo.


Mas sobretudo:
O meu luto me amou e eu amo o seu cheiro de sol, as ondas da sua morenice
O meu luto sofreu pelos milhas de distância, mas ainda me amou
O meu luto, eu o amo pelo jeito maroto de criança, amo o amigo, o filho, o pai e o amante
O meu luto é um carnaval antigo, sou a única passista do baile, a única participante
Desse luto que aguarda o fim da tristeza na próxima quarta-feira de cinzas