O meu luto era um céu ensolarado visto por uma janela azul que
quase nunca se abria
O meu luto era um gato preto engraçado brincando com outro gato branco manhoso
O meu luto tinha gosto de amêndoas do croissant rindo da fidalguia que não
existia
O meu luto tinha também o gosto quadriculado do bolo xadrez e da fofura do
Lollo
O meu luto tinha cheiro da maresia do meio da noite da orla de Olinda
O meu luto tinha jeito de menino com uns olhos de brilho amavelmente castanhos
O meu luto tinha os cabelos caoticamente encaracolados e uma barba sempre por
fazer
O meu luto tinha a preguiça de acordar cedo para aproveitar o café da manhã
O meu luto era alegre e ria com um gosto que me fazia rir junto
O meu luto foi companheiro, foi piadista, mas também o melhor dos amantes
O meu luto me acalentava parcimoniamente, mas também lambia
os seios com paixão
O meu luto me enveuzava com beijos, com cheiros, com cosquinhas, uma delícia
O meu luto me metia e quase não se segurava, me fazia as pernas desequilibrarem
O meu luto gostava de me ver nua e eu notava pelas sinuosidade, sempre ascendente
O meu luto nasceu sob o céu em escorpião, eu idem: feitos no signo da luta, cada um ao seu modo.
Mas sobretudo:
O meu luto me amou e eu amo o seu cheiro de sol, as ondas da sua morenice
O meu luto sofreu pelos milhas de distância, mas ainda me amou
O meu luto, eu o amo pelo jeito maroto de criança, amo o amigo, o filho, o pai
e o amante
O meu luto é um carnaval antigo, sou a única passista do baile, a única
participante
Desse luto que aguarda o fim da tristeza na próxima quarta-feira de cinzas