A casa da minha infância tinha
cheiro. Tinha, porque o cheiro pertencia a casa. De manhã cedo, cheiro de
pinha, lá havia uma ateira bem alta que soltava folhas grandes e perfumadas.
Debaixo desse pé de pinha – o meu balanço de ferro, um acalento para as palmadas
que eu levava pelas mal criações cometidas no
ônibus escolar. As cordas do balanço me impulsionavam automaticamente
para o mundo dos meus sonhos verde-folha, meu analgésico para a tristeza. Eu
imaginava a minha independência aos 18 anos, não apanharia mais.
Durante
o almoço o cheiro se modificava. A casa
tinha um cheiro agridoce-remoso que fazia a minha barriga reclamar de fome. O
odor característico de Taguatinga dos anos 80 – perfume de pequi. Eu já poderia
imaginar as possibilidades do almoço – galinhada com pequi, frango ao molho com
quiabo e pequi ou apenas o pequi no arroz acompanhado de feijão, abóbora e
costelinha de porco frita – o meu favorito. À mesa posta, almoçávamos
contentes. O pequi para mim funcionava como um lullaby repentista para a minha
soneca da tarde. Sonhava em ter 18 anos dançando valsa em um vestido dourado
acompanhada do Super Mouse, meu crush na época.
As
primeiras cores da noite naquela casa tinham cheiro de suor. A QNE 18 toda me
reconhecia com a minha Caloi de cestinha adornadas com um buquê de rosas falsas
e folhas da ateira durante os passeios até o poente. As noites eram especiais,
dava voltas me exibindo para o pé de pinha, uma dança que fazia suar a cada
arrancada com a bicicleta. A mente voava alto com os devaneios azul celeste do
terno do meu namorado imaginário, tão elegante e alto. Eu já tinha 18 anos,
poderia abraçá-lo e dançar à vontade. O meu sonho só era interrompido pelo som
das palavras de Cleuza que me chamava para tomar banho e jantar. Eu ouvia a
janta de longe, era o som da panela de pressão que me fazia apressar correndo
para dentro da casa toda suada.