
A Partida do Xadrez
E foi buscando a música perfeita que me encontrei musicando algo sobre você. Há dias procurava esse chorinho em playlists diversas e uma angústia me consumia. Acreditava que a música fosse o estratagema perfeito para poder escrever sobre essa verdade que sinto. Sim, é a mais pura verdade, olhava cds e videoclips inteiros procurando o seu rosto. Mas só via uma Dama. E foi assim que tudo começou.
A Dama sempre foi a peça maior do xadrez. Não seria por menos que ela seria uma dama, uma mulher sagaz e forte, a mais inteligente do tabuleiro. Mas mesmo sendo tão altiva, ela não é alheia ao contato com peões, cavalos e bispos. E até as torres, tão limitadas com os seus movimentos retos.
A Dama valsa com leveza sobre o tabuleiro se exibindo com audácia no campo adversário. Talvez as damas fossem muito mais estratégicas que os cavalheiros, pois abusam de forma perita para conseguir o que desejam. Quiçá essa nobre peça possa até mesmo ludibriar um enxadrista sobre a sua posição, ocultando possibilidades e fazendo-o acreditar que possa ser poderoso. Uma maneira clichê de dizer o quão as mulheres são poderosas e o quanto elas podem trazer risco. Ou são inocentes atrizes.
Em uma partida de Maio a mais demorada das batalhas foi travada. Talvez fosse somente um jogo psicológico de xadrez humano, mas aquela linguagem que fluía como música de ambos os corpos dizia o contrário. Era uma canção que se iniciou lenta e foi tomando propulsões avassaladoras até se encontrarem frente a frente em um tabuleiro. Rainha e Torre. Ao redor, vários peões prestes a serem descartados em um lance. Ou seriam apenas expectadores que torciam pela vitória de uma das peças?
A audácia da Rainha poderia intimidar a Torre pela sua ousadia. Não sentia medo, era absoluta em seu reino fantasioso e não temia ser ela mesma. Sequer temia o que o tabuleiro pensava a seu respeito. Triunfava com o seu conhecimento e desafiava a quem quer que fosse.
Mas a sabedoria da Dama foi anulada pela paciência da Torre.
Uma nota mais alta ressoou de forma que o ritmo da música fosse interrompido. O rock da Dama foi substituído por violões em Choro. E aquele Choro nº1 foi invadindo os tímpanos da Rainha e atrapalhando os seus movimentos. Mas, por mais que os seus ataques fossem bloqueados, aqueles acordes dedilhados pela Torre a atraia docilmente. Quem diria! Ela, a todo poderosa, sendo contra-atacada da forma mais sutil e inteligente possível?! Era impossível de acreditar!
A audaciosa Dama sentia medo. Mais parecia a personificação do Congresso Internacional do Medo, de Drummond. Mas não quereria flores amarelas e medrosas. Não. Ansiava pelo aroma dócil e abrasador do sândalo e almíscar com notas orientais. Aroma de um sentimento em linha reta. No entanto, as únicas notas que possuía eram as notas do violão dedilhado e distante da Torre. Se morresse, seria de angústia. Mas a vontade de que aqueles dedos magros parassem de tocar o instrumento e a fizesse música era tamanha que lhe causava um sofrimento maior.
A corajosa Dama recuou frente a esse sentimento. Corajosa por que outrora explicitou toda a sua audácia feminina em verbos no Pretérito mais que perfeito. Antes tivesse feito em um tempo Presente insistente mais que audaz antes perfeito. Ou apenas calasse a sua ousadia e ouvisse com atenção as cordas do Choro nº 1. Talvez essa última possibilidade permitisse tapar sua caixa acústica psicológica ao som das masculinas cordas vocálicas e aí sim venceria o jogo. Mas o seu recuo possibilitou a partida para junto das outras peças mortas e negras, anteriormente capturadas. Ela se esquivou frente ao que poderia ouvir. Precisava eliminar de uma vez por todas aquela agonia, nem que para isso se sacrificasse. Nem que para isso fugisse para ouvir um sim. Ou um outro som.